Do ITCMD e sua progressividade


Hoje resolvemos abordar uma questão de importância e relevo, que até pouco atrás era objeto de polêmica. Veremos sobre o ITCMD e sua recente mudança de entendimento quanto à progressividade em sua incidência.
Como é de praxe, iniciaremos com uma breve introdução sobre a materialidade deste imposto.
O ITCMD (imposto transmissão “causa mortis” e doação) é um imposto real, porque seus fatos geradores têm relação com a propriedade. Ele incide objetivamente sobre o bem, sem considerar a situação pessoal do contribuinte. Sua competência pertence aos Estados e do Distrito Federal e está prenunciado no art. 155, I da Constituição.
Possui, basicamente, dois fatos geradores:
a)      Transmissão “causa mortis” de quaisquer bem e direitos (herança ou legado);
b)      Transmissão por doação de quaisquer bens e direitos.
Sabe-se que o ITCMD é um imposto fiscal, isto é, sua finalidade primordial é carrear recursos financeiros aos cofres públicos. Hugo de Brito [1] nos dá a conhecer que tal particularidade não impede que este imposto também assuma cunho extrafiscal. Todo o tributo pode manifestar contornos de extrafiscalidade, ainda que timidamente, não somente aqueles previamente reservados na Constituição (imposto de importação, imposto sobre a exportação, contribuições de intervenção no domínio econômico, etc).
O mestre arremata [2]:
No caso do imposto sobre heranças e doações, a função extrafiscal possível consiste em desestimular o acúmulo de riqueza, ou, em outras palavras, desestimular a concentração de renda. Basta a instituição de alíquotas progressivas, com percentuais bastante elevados para os valores mais expressivos. Tal progressividade, como adiante será explicado, deve ser em função da parcela de bens recebida por cada herdeiro, legatário ou donatário. Não em função da totalidade dos bens deixados pelo autor da herança, ou doados.
Pode-se afirmar que parte da doutrina entende que a progressividade é ferramenta hábil para concretizar objetivos e finalidades de interesse público, tome-se como exemplo o desestímulo a concentração de renda ou um novo comportamento de consumo, o que se traduz em extrafiscalidade.
Mas o que seria a progressividade? Técnica de tributação que tem como objetivo fazer com que os tributos atendam a capacidade contributiva, a progressividade se concretiza por meio de alíquotas diferenciadas para diferentes bases de cálculo, onde o aumento das alíquotas irá ocorrer à medida que for maior a base de cálculo.
A Constituição determina que, sempre que possível, os impostos tenham caráter pessoal, conforme artigo 145, §1º da CF.
Art. 145, § 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
 
Essa regra maneja o princípio da capacidade contributiva e por consequência, o princípio a vedação ao confisco. Trata-se de um dever positivado em nossa Carta Magna para que todo o tributo criado tenha conexão com a capacidade econômica do contribuinte.
Assim, em linhas gerais, o artigo 145, §1º é interpretado como a exigência de que seja instituída a progressividade aos impostos.  A expressão “sempre que possível” é justificada em face da existência de impostos indiretos que não são afeitos a progressividade.
Tomamos a liberdade de nos exceder na introdução para avaliar o Recurso Extraordinário 562.045/RS julgado em fevereiro deste ano, junto com outros nove processos que tratavam da mesma matéria, no qual se consignou que a lei pode fazer incidir a técnica da progressividade tanto para impostos pessoais, como para impostos reais. A interpretação que o Supremo Tribunal Federal deu ao art. 145, §1º da Constituição Federal é a de que não há proibição para que os impostos reais sejam progressivos.
Assim, o ITCMD pode sofrer progressividade, ainda que a Constituição não seja expressa nesse sentido.
Até então havia dissonância na doutrina quanto à progressividade dos impostos reais. Tendo em vista que a Constituição menciona no artigo 145, §1º “impostos de caráter pessoal”, os contribuintes argumentavam que somente os impostos pessoais poderiam ser progressivos. Essa interpretação atualmente não encontra guarida na jurisprudência do STF.
A interpretação do STF quanto a este dispositivo constitucional é a mais ampla possível, abarcando tanto os impostos reais, como os pessoais.
Entendemos que o STF posicionou-se de modo acertado neste julgado, pois a decisão acolhida contempla e concretiza a capacidade contributiva real, corrigindo eventuais distorções de riquezas entre os contribuintes, onde contribuintes com maior acúmulo de riqueza (legado e herança a receber) ou sob situações mais vantajosas devem ser mais onerados que aqueles que detém patrimônio reduzido ou estão sob alguma desvantagem. Isso é justiça tributária!
No voto-vista de Marco Aurélio, o ministro chega a mencionar que aquele que adquire bem no valor de vinte mil reais não pode sofrer tratamento tributário semelhante ao que adquire um bem de um milhão. E complementa: “É patente: quem compra ou possui imóvel de valor exorbitante revela maior capacidade contributiva, pode pagar mais tributo. Quem recebe esses mesmos bens em herança, doação ou legado, por fato alheio à vontade, talvez não apresente igual capacidade”. Dessarte, para o ministro, a progressividade no ITCMD demanda certo grau de personalização, devendo ser considerada a situação econômica do sujeito passivo, isto é, observado o critério pessoal e não meramente o valor da herança ou legado.  
De resto, estabeleceu-se no julgamento que ao contrário do que ocorria com o IPTU, não é necessária a edição de uma emenda complementar para que o ITCMD seja progressivo. Não se pode perder de vista a Resolução 9/92 do Senado que já estabelecia alíquota máxima ao imposto de 8% e a possibilidade de progressão das alíquotas em função do quinhão de cada herdeiro, a serem fixadas por lei estadual.



[1] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário 30a edição Revista, atualizada e ampliada. Ed. Malheiros. Material da 2ª aula da Disciplina Sistema Constitucional Tributário: Impostos em Espécie, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual de Direito Tributário – REDE LFG.
[2] Opcit.

Postar um comentário

0 Comentários